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Era fevereiro deste ano, quando a recepcionista Raissa, de 17 anos, saiu de Sacomã, na zona sul de São Paulo, para mais um dia de trabalho, em Moema. Não conseguiu ficar uma hora na empresa, de tanto que chorava. No trajeto, feito de metrô, entre uma estação e outra, um homem esfregou o órgão sexual em sua calça. E ela ainda ouviu de uma das dezenas de testemunhas que aquilo era corriqueiro. O conselho era deixar para lá. Ela deixou: deixou de pegar o metrô, de chegar no horário em que deveria estar na empresa e de ir à faculdade à noite, por medo.

Por causa de inúmeros casos como esse, empresas de transporte vêm reforçando o treinamento de seus funcionários e tomando outras medidas para inibir o crime e acolher as vítimas. A CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), por exemplo, lançou o Em Movimento por Elas, com campanha e criação de espaços para atender mulheres que sofreram importunação sexual.

Em 2018, o STF (Supremo Tribunal Federal) sancionou a lei que torna crime a importunação sexual, com pena prevista de um a cinco anos de prisão. A importunação é definida como a prática de um ato libidinoso na presença de alguém sem que essa pessoa tenha dado consentimento. O projeto surgiu após casos de homens que se masturbaram e ejacularam em mulheres dentro de transporte público terem ganhado repercussão nacional.

Por ser menor de idade, e a pedido de Raissa, Universa manteve sua identidade sob sigilo. Ela conta que, assim que entrou no vagão da Linha 5-Lilás do metrô, por volta das 7h, o agressor se esfregou em seu corpo. Ela saiu de perto, nervosa, e tentou se aproximar de outras pessoas ao seu redor, na tentativa de se proteger. O homem foi atrás, encostou nela de novo e, dessa vez, abriu a calça e colocou o membro sexual para fora.

“O cara ia encostando em mim e eu saindo. Comecei a tremer e a olhar para as pessoas. Todo mundo viu, mas ninguém falou nada. Eu também não consegui. Fiquei em choque. Então esperei chegar a estação seguinte e saí. Uma pessoa, que desceu junto comigo, ainda falou: ‘Olha, isso é normal aqui’. Respondi que não era não. E entrei em outro vagão.”.

Raissa chegou ao trabalho chorando. Foi amparada pelas colegas e dispensada do serviço. Em casa, contou o ocorrido para a irmã mais velha, e as duas ligaram para o Ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher) para denunciar o crime.

“A atendente disse que todo dia recebia reclamações do tipo”, diz Raissa. “Por causa dessa situação, não peguei mais o metrô e passei a sair de casa em um horário diferente, com medo de encontrar o agressor. E me atrasava no trabalho. Faço faculdade à noite e não quis mais ir. Aí veio a pandemia e fiquei sem sair mesmo”.

Medidas de prevenção As constantes denúncias vêm levando as empresas que administram os transportes públicos a tomar medidas para conter esse tipo de crime. No ano em que a lei federal contra a importunação sexual foi sancionada, por exemplo, a CPTM deu início a uma pesquisa sobre o tema com as usuárias. Em dois anos, concluiu que quase a metade das passageiras (47,6%) foi ou conhece alguém que tenha sido vítima do crime em transportes públicos, sendo que 69,3% destes casos aconteceram dentro de trens, 14,7% no metrô e 11,7% em ônibus. Mas apenas 15,6% das vítimas denunciaram as agressões. Somente no mês de março deste ano foram ouvidas 1,2 mil passageiras.

Ainda segundo a pesquisa, o agressor escolhe, muitas vezes, a mulher jovem, vista como vulnerável, que provavelmente não reagirá e terá um comportamento parecido com o de Raissa.

O resultado da enquete possibilitou a criação do programa Em Movimento por Elas, lançado neste ano, que envolve desde o treinamento dos funcionários e terceirizados da empresa, a espaços onde vítimas poderão ficar para conversar.

Em setembro, o Instituto Avon, que combate a violência de gênero, ensinará 8.000 colaboradores da CPTM —somente 17% deles são mulheres— a abordar de forma correta a vítimas, promoverá workshop sobre o papel dos homens no enfrentamento à essas violências entre outras medidas.

E no momento em que o agente estiver com uma vítima, agora ele poderá encaminhá-la a espaços dentro de algumas estações, montados para acolhimento e denúncia. Ali elas poderão, por exemplo, beber uma água, se acalmar, receber orientações sobre como denunciar. Por ora, oito desses espaços já foram inaugurados, e a empresa promete um total de 35 até o fim do ano, assim como campanhas de combate à importunação sexual.

A assessora executiva da CPTM Natália Prado já sofreu importunação de forma bem parecida à de Raissa, mas dentro de um ônibus. Ela conta que a empresa ouviu os agentes de segurança que trabalham nas estações para entender o que pode ajudar a coibir essas agressões.

Enquanto prestadores de serviço, precisamos melhorar em diferentes aspectos”, ela admite. “Estamos atrás do predador”, fala ela após listar as ações. Segundo a empresa, entre janeiro e julho deste ano foram registradas 31 denúncias de importunação sexual em seus trens e estações. Todos foram encaminhados à polícia.

Denuncie Por nota, a ViaMobilidade, concessionária responsável pela operação e manutenção da Linha 5-Lilás de metrô de São Paulo, onde Raissa foi agredida, repudia qualquer conduta de violência de toda natureza e incentiva a vítima, ou quem testemunhou a importunação sexual, a procurar imediatamente seus colaboradores, ou mesmo acionar o intercomunicador disponível dentro do trem. Ela pode também ligar para o 0800 770 7106. “Todos os Agentes de Atendimento e Segurança estão capacitados e recebem treinamentos para acolher a vítima, prestar os primeiros socorros, e se necessário, oferecer acompanhamento à Delegacia de Defesa da Mulher”, informa a empresa, que diz ainda participar de de ações de conscientização sobre o tema.

No Rio, a SuperVia, que administra os trens da cidade, e o MetrôRio, informam que treinam seus agentes para atuar nos veículos e estações, com apoio e orientação aos clientes em situações de assédio, além de disponibilizar um carro exclusivo para mulheres em todas as composições, entre 6h e 9h e das 17h às 20h. As empresas também incentivam que as mulheres registrem os casos na polícia, e ressaltam que a denúncia é fundamental para o combate ao crime. Em nota, a SuperVia informa que em 2019, foram 31 casos de prisões ou detenções pelo crime.

Raissa apoia as medidas de prevenção e incentiva que outras mulheres que passaram por situações parecidas com a dela denunciem. “Daquela vez, eu fiquei calada, mas isso nunca mais vai acontecer.”

FONTE: UNIVERSA