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‘Montava grupos infantis com o objetivo de ter acesso às crianças’, diz delegado. Polícia Civil ouviu 14 mulheres que afirmam ter sido vítimas de violência sexual. Homem desenvolvia trabalhos desde 1980, em Várzea da Palma (MG). Advogado diz que ele nega os crimes.

Catorze mulheres denunciaram à Polícia Civil que foram vítimas de estupro na infância em Várzea da Palma (MG). Elas acusam o mesmo homem, Dinamá Resende. Segundo as investigações, ele promovia atividades culturais e religiosas na cidade desde 1980.

O delegado Guilherme Vasconcelos explicou que a primeira denúncia foi recebida em outubro de 2019. O inquérito foi finalizado em janeiro deste ano, com pedido de indiciamento por estupro e estupro de vulnerável. A divulgação à imprensa foi feita em uma coletiva nesta segunda-feira (17).

Vasconcelos afirma que “há uma coerência muito grande” nos relatos das vítimas no que diz respeito à forma de atuação, de cooptação e de prática dos abusos por parte do investigado.

As investigações apontam, segundo o delegado, que Dinamá criava os grupos infantis para ter acesso às crianças, “principalmente crianças carentes, que viviam em lares sem estrutura mínima, em uma ambiente de extrema vulnerabilidade.”

A polícia chegou a pedir a prisão dele, que permanece em liberdade, mas foi obrigado a cumprir medidas cautelares, como se manter afastado dos trabalhos desenvolvidos e não ter contato com crianças.

As vítimas relataram que os abusos eram cometidos de diversas formas, de toque à conjunção carnal.

“O investigado se aproveita do descrédito que se dava a palavra de uma criança, tentando dissimular comportamento sexual como se fosse afetuoso.”

O delegado acredita que o número de vítimas pode ser maior, já que muitas têm dificuldades em denunciar e o próprio Dinamá admitiu em depoimento que já trabalhou com mais de 5 mil crianças. Ele negou todas as acusações à polícia. Procurado, o advogado disse que o cliente nega os crimes, mas que não poderia fornecer mais detalhes porque o processo corre em segredo de Justiça.

Apesar de alguns crimes já estarem prescritos, o delegado diz que as vítimas devem denunciar para que a polícia consiga traçar um perfil do investigado e do modo como agia.

A advogada Ana Luíza França acompanha 10 das mulheres que denunciaram Dinamá Resende pelos abusos.

“Meu trabalho é na área criminalista, já atuei em diversos tipos de processos, com os mais variados crimes. Mas quando as vítimas me relataram sobre os abusos, é como se aquela dor fosse minha, eu senti a dor daquelas mulheres.”

Primeira denúncia

A denúncia que motivou a abertura do inquérito policial foi feita por Ana Paula Fernandes dos Santos. Ela fez um post em uma rede social e também procurou pela polícia em outubro de 2019.

“Ele não é o palhaço bonzinho que gosta das crianças, ele é um doente, monstro”, disse no post.

Antes de fazer a denúncia e a postagem, ela lembra que entrou em uma rede social e viu Dinamá em uma foto rodeado por crianças. Com o apoio do pai e do marido, decidiu contar tudo o que viveu.

“Eu pensei que aquilo precisava parar, que alguém precisava dar um basta.”

Ana Paula foi a primeira denunciar Dinamá por abuso — Foto: Ana Paula Santos / Arquivo Pessoal

Ana Paula foi a primeira denunciar Dinamá por abuso — Foto: Ana Paula Santos / Arquivo Pessoal

Ana Paula revela ter sofrido o abuso quando tinha entre oito e nove anos. Ela estava na escola quando foi convidada pelo homem a participar das atividades que ele desenvolvia. A menina tinha o sonho de ser modelo e aceitou entrar para as Dinamitas, um grupo de dança. Ela também participava dos terços promovidos pelo investigado.

“Ele é assim, chega e ganha a confiança. Se faz de pessoa que está ali para cuidar e passa essa segurança. Antes de envolver a criança, ele se aproxima da família”, conta.

O pai de Ana trabalhava como fotógrafo e chegou a registrar eventos promovidos por Dinamá.

Ela diz que o abuso ocorreu em 2004, quando o homem foi à casa dela para levá-la a um comício. Ele era candidato a vereador na época e usava crianças para distribuir o material de campanha.

“Fomos na moto levando alguns santinhos para distribuir. Ele disse que precisava de mais alguns e que iria passar na casa dele para pegar. Mas ele já sabia que não tinha ninguém no local. Fui jogada na cama e ele tirou minha roupa. Pedi para que parasse e disse que sentia dor. Depois, ele vestiu minha roupa, me colocou na moto e me levou para casa, como se nada tivesse acontecido”.

Ana Paula fala ainda que na época não tinha a completa noção do que viveu e que não contou nada a ninguém por medo e vergonha. A solução encontrada para desabafar foi escrever cartas, que depois eram queimadas.

Atualmente, Ana é técnica em enfermagem, mas precisou se afastar dos dois hospitais onde trabalha há um mês, para se tratar da depressão.

“Algumas questões me incomodam muito desde que tudo aconteceu. Não gosto de luz apagada, não consigo me relacionar com pessoas que têm características físicas semelhantes a ele. Desconfio das pessoas e sempre acho que tem algo por trás de toda intenção. Tenho dificuldade em estabelecer vínculos e até de socializar”.

Mãe de duas meninas, ela espera que as filhas possam viver em uma realidade melhor.

“Espero o fim dessa cultura do machismo, muitas mulheres denunciam e ainda têm os dedos apontados para elas. Vejo que estão ganhando uma voz forte e conseguindo muitas conquistas, mas há muito o que melhorar. Meu desejo é que elas não tenham medo de falar, que não se calem por nenhum motivo.”

‘Infância tirada de mim’

Após o post de Ana Paula, outras mulheres também afirmaram que foram vítimas de Dinamá. Silmara Alves Soares foi enteada dele e diz ter sofrido abusos por vários anos.

“Se a Ana não tivesse denunciado, talvez eu ficasse calada pela vida toda. Mas a vontade de que tenho hoje é de olhar nos olhos dele e dizer: Acabou.”

Silmara também frequentou o grupo de terço e a Liga Mirim, voltada para atividades ligadas à igreja católica. Ela conta que o investigado se relacionou com a mãe dela e foi morar na casa delas quando tinha entre cinco e seis anos.

“Tenho lembranças dele passando a mão em cima de mim, colocando as partes íntimas em mim, pegando no meu seio. E ele sempre dizia, se você contar alguma coisa eu vou estourar o botijão de gás e matar todo mundo. Quando entrou na nossa vida eu fiquei muito feliz, não tinha pai e pensava que tinha encontrado alguém que pudesse me proteger”, recorda-se.

O material usado por Dinamá era guardado na casa da mãe de Silmara, onde ele também morava. Algumas atividades também ocorriam no local, assim como alguns dos casos de abuso denunciados, como de Ana Paula.

“Eu me achava suja e errada. Quero ver ele pagando pelos sonhos que destruiu, não sei amar direito, sou ansiosa, só de lembrar daquelas mãos ásperas, eu sinto repúdio. Me sinto mais triste ainda por saber que ele usava a minha casa para fazer o que fazia com as crianças.”

Silmara fala ainda que “teve a infância roubada” pelos episódios vividos.

“Eu passava o Natal na casa da minha avó. Ele cismava de ir embora logo e queria que eu fosse junto, para abusar de mim. Lembro de um córrego que a gente que ia, onde ele aproveitava que estávamos dentro da água para passar as mãos em mim”, desabafa.

Aos 13 anos, quando teve a permissão da mãe para namorar, diz que foi agredida por Dinamá.

“Ele me deu um soco no rosto. Eu falei para a minha mãe que ele estava na nossa casa não por causa dela, mas por minha causa. Durante todos os esses anos, não vi uma única troca de carinhos entre eles, algo normal em uma relação. E até hoje, depois de tantas denúncias, muitas pessoas ainda duvidam, porque acham que Dinamá é a melhor pessoa do mundo para confiar”.

Após a agressão, Dinamá saiu da casa da família. A mãe de Silmara faleceu sem conhecer os detalhes da história vivida pela filha.

“Hoje, tento refazer a minha vida, mas por muito tempo tive meu coração dominado pelo ódio.”

‘Dificuldade de aceitar carinho’

Daniele Cordeiro também afirma ter sido vítima de Dinamá. Ela participava do terço, das Dinamitas e da Liga Mirim.

“Lembro que a gente iria viajar para dançar e ele disse que eu e minha prima teríamos que dormir na casa dele. Eu estava dormindo no sofá e acordei sonolenta com ele em cima de mim. O empurrei e ele caiu do sofá. A mulher dele estava dentro de casa e perguntou que barulho era aquele, ele respondeu que tinha escorregado. Na viagem, ele não disse nada. Eu também não consegui mais olhar para ele. Depois disso, nunca mais participei.”

Ela conta que tinha medo de dizer aos familiares, principalmente por ter um padrasto violento. Até tentou pedir a ajuda de outra pessoa, sem sucesso.

“Quando eu tinha de oito para nove anos, lembro que ele me colocava para sentar no colo dele, passava a mão na minha barriga. Naquela época eu não entendia, mas tenho uma percepção diferente de tudo agora”.

Anos após ter sofrido a violência sexual, Daniele encontrou com Dinamá ao ir ver a nova praça de eventos de Várzea da Palma.

“Ele disse que iria fazer um livro sobre as Dinamitas e iria me dar um. Eu perguntei se poderia dizer como era ser uma Dinamita de verdade. Ele disse que não, que o livro era dele e não meu”.

Atualmente, Daniele mora com os filhos e o marido em outro estado. Eles foram em busca de oportunidades de trabalho.

“Eu me sentia completamente sozinha. Nunca gostei de toque, de abraço, de beijos. Por muito tempo tive uma dificuldade grande em aceitar carinho, fui aprender isso quando a minha filha nasceu. Hoje, eu vejo que não estou só, que muitas meninas passaram pelo que passei. E fico mais aliviada por saber que estamos agindo para que outras crianças não sejam vítimas também.”

FONTE: G1