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Não é de hoje que muitas mulheres vivem jornadas de trabalho duplas ou triplas, acumulando tarefas profissionais, da casa e dos filhos. A pandemia, no entanto, escancarou a divisão desigual entre os sexos. Para Hildete Pereira, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora de gênero e economia, a sobrecarga é reflexo da crença estrutural de que o cuidado é uma responsabilidade apenas do sexo feminino.

— As mulheres são tão socializadas com o cuidado que, mesmo as que rompem as barreiras e conseguem ir ao mercado de trabalho, carregam a responsabilidade de administrar a casa — diz a pesquisadora: — E esse trabalho não remunerado é o que permite que as pessoas existam e não adoeçam. Imagine quanto se gastaria, se fosse preciso pagar por serviços feitos “por amor”?

A publicitária Juliana Santicioli, de 42 anos, se sente sobrecarregada desde o início do home office:

— Apesar de criar meus filhos de maneira igualitária, grande parte das atividades acaba ficando com a mãe. Mesmo que tenha reuniões pela manhã, se eu não fizer o almoço ou orientar para que façam, ninguém terá a iniciativa.

Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) de 2018, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), comprovam que as mulheres dedicam mais horas aos afazeres domésticos e ao cuidado de pessoas, mesmo em situações ocupacionais iguais às dos homens. Enquanto elas gastam 18,5 horas por semana, eles despendem 10,3 horas. Entre os não ocupados, a discrepância é ainda maior: 23,8 horas dedicadas pelas mulheres, contra 12 horas empregadas pelo sexo masculino.

O chamado trabalho do cuidado, segundo pesquisa da UFF, é um esforço que equivale a 11,2% do PIB, embora não seja usado no cálculo da riqueza do país. Essa falta de valorização afeta diretamente o trabalho remunerado feminino.

A consultora de RH Taywana Rocha, de 39 anos, vivenciou a experiência na pele. Sem ajuda para cuidar dos gêmeos, foi demitida dois meses após começar a trabalhar em casa.

— Meu ex-marido nunca ficou muito tempo com as crianças. Sempre dizia que o trabalho dele era mais importante, porque ganhava mais — conta.

Divisão igual ainda é exceção

Talita Scoralick conta que divide as tarefas domésticas com marido, mas sabe que é exceção
Talita Scoralick conta que divide as tarefas domésticas com marido, mas sabe que é exceção Foto: Fernanda Possi

Desde antes da pandemia, a consultora de moda e influenciadora digital Talita Scoralick, de 30 anos, já trabalhava em casa, assim como o marido. Mas, por conta do isolamento, o casal teve que redefinir a rotina doméstica.

— A gente contava com ajuda de uma diarista e, agora, tem gastado mais tempo com a casa. Mas nós dois somos responsáveis por todas as tarefas — explica Talita: — Sem a escola da nossa filha, de dois anos, passamos a nos revezar. Em um turno, eu fico com ela para que ele trabalhe. Em outro, acontece o oposto. Sei que, infelizmente, isso ainda é uma exceção.

Segundo o estudo “Tempo de Cuidar”, desenvolvido pela Oxfam, as mulheres são responsáveis por mais de três quartos do cuidado não remunerado, o que representaria uma contribuição de pelo menos US$ 10,8 trilhões por ano à economia mundial. Essa responsabilidade afeta a inserção no mercado de trabalho: 42% das mulheres em idade ativa não têm remuneração, contra apenas 6% dos homens.

A pesquisadora em economia de gênero e professora no Insper, Regina Madazollo, ratifica a importância dos homens assumirem responsabilidades domésticas:

— Vou ficar feliz quando não usarem mais a palavra “ajudar”. Delegar também é custoso. Consome tempo e energia das mulheres.

Regina ainda acrescenta que algumas crenças enraizadas pela sociedade ajudam aumentar o peso de responsabilidade de cuidado sobre as mulheres, por exemplo a de que elas podem ser multitarefas, enquanto os homens só conseguem realizar uma tarefa por vez.

— Muito dessa capacidade é desenvolvida pela necessidade, ao longo do tempo. A gente cobra das meninas, desde pequenas, que desenvolvam a habilidade de fazer muitas coisas ao mesmo tempo, o que não e feito com os meninos. No entanto, admitimos que os homens sejam multitarefas em casos seletivos, como trabalhar e assistir a um jogo de futebol — analisa a economista:— A verdade é que o cérebro é incapaz de dedicar atenção a duas coisas ao mesmo tempo. Imagina o quanto é cansativo alternar o foco o tempo todo! Isso as deixa mais estressadas e cansadas.

Trabalho invisível subsidia todo o sistema capitalista

Entrevista com Marilene Teixeira, economista e pesquisadora Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp (Cesit|Unicamp)

A crise dos cuidados emergiu na pandemia?

Não. Ela potencializou uma realidade que já vivenciávamos. O ambiente doméstico virou centro organizador da família. Ao mesmo tempo que há o home-office, as pessoas têm que se desdobrar para cozinhar, lavar, passar, acompanhar o ensino remoto dos filhos e , ainda, dar apoio às pessoas idosas, que são grupo de risco para a covid-19.

Qual impacto do cuidado na economia?

Esse trabalho de reprodução social sempre foi invisibilizado. Mas, se não existisse, não haveriam pessoas para vender sua força de trabalho num sistema capitalista. O serviço que garantiu a sobrevivência desses trabalhadores foi feito gratuitamente pelas famílias. Se as donas de casa fosse remuneradas, quanto isso custaria? Mas não lutamos por isso e sim pelo reconhecimento.

Você acredita que as mães foram as mais afetadas?

Desde 2016, com a redução de políticas públicas, como menor acesso a creches, a sobrecarga de trabalho sobre as mulheres piorou. Mas também, com aumento da expectativa de vida, há maior necessidade de cuidado com idosos. E esse zelo com pais, sogros, tios e tias recai sobre elas. Muitas trouxeram esses familiares para dentro de suas casas, enquanto outras se desdobraram para fazer mercado e cuidar também do lar desse parente. Precisamos de mais intervenções políticas, como creches públicas 24 horas e centros de acolhimento para a terceira idade.

Essa divisão desigual de tarefas domésticas afeta os trabalhos remunerados?

Com certeza. Mesmo quando a mulher divide esse trabalho da casa, na maioria das vezes, não é com o marido e sim com outra mulher: a empregada! Com a pandemia, muitas perderam essa ajuda e chegam a trabalhar 14 a 16 horas por dia. Isso gera cansaço mental e eleva o grau de estresse a um nível impressionante. Com isso, a produção fica afetada…

 

 

 

 

 

 

FONTE: EXTRA GLOBO