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Fenômeno ocorre quando o homem percebe que a mulher, encarada como objeto que deve satisfazer seus anseios, não aceita essa ‘função’

Tatiane Spitzner

No dia 22 de julho deste ano, a advogada Tatiane Spitzner foi encontrada morta no apartamento onde morava com o marido, Luis Felipe Manvailer. Ele disse que ela caiu do prédio, mas o laudo de necropsia apontou morte por asfixia mecânica. Câmeras de segurança do prédio mostram o marido agredindo Tatiane por mais de 20 minutos antes da queda. Ela queria se separar dele

Homem não aceita o fim do relacionamento e mata jovem em Sete Lagoas. PM é assassinada a tiros dentro de casa no Amapá; companheiro é o principal suspeito. Homem é preso ao matar ex-mulher a tiros em São Paulo. Mulher é assassinada dentro da Câmara de Vereadores de Contagem. Os inúmeros casos de feminicídio que surgem no noticiário têm muito mais em comum do que a crueldade masculina – que, a cada hora, faz seis vítimas no mundo, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).

Após estudos de análise freudiana sobre o psiquismo dos sujeitos desses crimes, o narcisismo ferido foi apontado pelo psicólogo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Marcell Santos como a principal motivação para feminicídios. Santos explica que o narcisismo é uma construção psíquica: todos nós temos um ponto narcísico.

O narcisismo é o amor de um indivíduo por si próprio ou por sua própria imagem, uma referência ao mito de Narciso. Mas o psicólogo explica que o narcisismo ferido ocorre quando a pessoa entende que aquele outro visto como objeto não o satisfaz da forma como gostaria.

“Se eu faço eleição do outro para me satisfazer, eu só penso na minha própria satisfação. E quando esse outro me deixa, eu penso: ‘quem ele acha que é?’. Pensamos isso porque entendemos que o outro não é nossa metade (fere meu narcisismo), e o assassinato pode ser uma ‘saída’ para essa ferida narcísica”, diz ele.

O autor do estudo afirma ainda que, apesar de o narcisismo ser um processo inconsciente, o homem tem a escolha de não praticar a violência, mas, ao ser amparado pela cultura machista, “torna-se mais fácil permanecer no processo do narcisismo ferido”.

O especialista acrescenta: “É quando eu invisto toda a minha energia libidinal, toda a minha proposta de satisfação em outra pessoa, acreditando que essa outra pessoa é um objeto que existe para me complementar. A partir da minha relação com o outro, ele vai tapar os buracos da minha existência, os vazios e as angústias”, diz.

Há três anos, foi promulgada a Lei do Feminicídio (nº 13.104), que torna crime hediondo o assassinato de mulheres em razão do gênero. Porém, os números ainda assustam. No Brasil, entre março de 2016 e o mesmo mês de 2017, foram ao menos oito casos de feminicídio por dia – o que coloca o país com a quinta maior taxa de assassinato de mulheres do mundo, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). No país, o número de assassinatos chega a 4,8 para cada 100 mil mulheres.

A combinação do narcisismo, que se manifesta de forma diferente no homem, e a questão cultural do machismo interferem diretamente nesse comportamento violento. Segundo Santos, o narcisismo é diferente entre os gêneros, porque o homem tem um órgão que a mulher não tem e, a partir daí, a cultura dissemina que aqueles que possuem um órgão fálico se sobrepõem aos que não têm. Ou seja, aquele que não tem essa representação fálica é visto como um objeto. Por isso, Santos acredita que a cultura machista é usada como uma saída para essas angústias.

“Quando o outro nega nosso desejo, ficamos angustiados. Então, eu uso do machismo. Um exemplo: um homem tenta ficar com uma mulher, ela não quer, e ele a chama de ‘vagabunda’. Então o machismo serve para tamponar a ‘angústia do macho’. Alguns vão usar dessa cultura para que a sua angústia não apareça”, frisa.

Além disso, o psicólogo lembra que todos nós somos sujeitos agressivos, mas o que faz algumas pessoas cometerem crimes motivados por sentimentos como a paixão é ter essa agressão reprimida, chegando a aflorar em momentos de tensão. “Quando tem muita tensão, a porta do psiquismo se abre, e a agressão pode ser a primeira a aparecer. A questão não é ter mais ou menos narcisismo exacerbado, mas como ele lida com a ferida narcísica e com a angústia de ter sido negado”, diz.

“Precisamos de políticas públicas para agressores”

O estudo feito pelo psicólogo da UFMG Marcell Santos também buscou elucidar os artigos da Lei Maria da Penha e suas contribuições para a sociedade. Como conclusão da análise, ele identificou a necessidade de uma abordagem aos homens que agridem mulheres para além de uma punição penal, uma vez que esse tipo de comportamento agressivo vem do “campo do inconsciente”.

Segundo Santos, é preciso escutar o inconsciente desses homens. “Não tem como resolver isso de uma hora para outra e de uma vez, mas sim cada caso. É preciso escutar cada agressor, escutar cada homem machista, fazer um trabalho cultural em cada um. A gente precisa fazer com que o sujeito ressignifique as questões culturais e de desejo”, afirma.

O psicólogo acredita que só a punição por meio do direito penal não é a solução. “Uma das possibilidades é a política pública. Já temos políticas públicas para as mulheres e precisamos de mais, mas também precisamos de políticas públicas para agressores. Só puni-los ou colocá-los na cadeia a gente já está entendendo que não funciona”, diz.

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