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Por Vanessa Braga Matijascic, pesquisadora do Núcleo de Pesquisa de Relações Internacionais (Nupri) da USP

violência contra a mulher. A alusão à data está relacionada ao ato violento contra três ativistas políticas da República Dominicana que foram assassinadas a mando do ditador Rafael Trujillo (1930-1961) no dia e mês em destaque do ano de 1960. Desde então, o marco estabeleceu-se por 16 dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres, contemplando o intervalo de 25 de novembro até 10 de dezembro. Nesse intervalo, estão associados o Dia Internacional pelo Fim da Violência Contra as Mulheres (25/11) e o Dia Internacional dos Direitos Humanos (10/12).

A importância do ativismo pela promoção dos direitos humanos por meio de campanha e eventos auspiciados por órgãos das Nações Unidas alcança diversos propósitos em escala mundial. Entre esses, destaca-se o fomento a mais direitos para mulheres ao redor do mundo que vêm no esforço de promover relativa “correção histórica” ao espaço público anteriormente de vanguarda aos destaques de figuras masculinas e pertencentes a grupos privilegiados. Dar relevância aos 16 dias de ativismo em colaboração com a ONU não se trata de diminuir o papel dos atores anteriormente em destaque, mas sim, de dar vazão ao trabalho de mulheres e outras comunidades consideradas como minorias mundiais e que não tiveram historicamente sua identidade e existência valorizadas, a saber: pessoas com deficiência, negros, indígenas, comunidade LGBTQ, entre outras.

Acima de tudo, trata-se do repúdio à violência cujo foco da campanha compreende mulheres, mas definitivamente se estende a todos os demais povos que sofrem violência ao redor do mundo. Logo, a pauta mulheres é extremamente inclusiva, uma vez que não se delimita apenas à ascensão no mercado de trabalho ou à contribuição de mulheres pertencentes a grupos sociais privilegiados. Sociedades democráticas e sedentas da manutenção e promoção de direitos priorizam campanhas que incluam os direitos das “minorias” para despertar os formadores de opinião e formuladores de política, já que o futuro e o presente próspero, até mesmo do ponto de vista econômico, começam pela promoção de direitos – neste caso, lembramos que o exercício da cidadania é o local de direitos, mas também corresponde ao cumprimento de deveres.

Os desafios do combate à violência são muitos: no âmbito nacional e internacional. Mesmo no país que é referência histórica na luta e na conquista dos direitos humanos, a França, 117 mulheres foram mortas por seus parceiros e ex-parceiros desde o início deste ano. Em 2018, foram 121 feminicídios registrados, fazendo o governo francês comprometer-se anualmente com 360 milhões de euros no combate à violência contra a mulher. Isso tudo sem esquecer da média de 213 mil casos de vítimas de violência física e sexual cometida também por parceiros ou ex-parceiros, já estimados pelo governo (dados da Agence France-Presse).

No Brasil, no Dia Internacional da Mulher deste ano, o Monitor da Violência indicou que o Brasil continua sendo um dos países mais violentos do mundo para as mulheres. Em novembro de 2018, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) divulgou que há uma estimativa de quatro mulheres mortas para cada grupo de 100 mil mulheres e isso corresponde a um valor 74% superior à média mundial. Nessa mesma linha, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos também alerta que 40% do feminicídio latino-americano corresponde somente à cifra brasileira, acarretando uma estimativa de quatro mulheres mortas por dia.

O Painel da Violência contra a Mulher do Senado brasileiro já estimou que 70% das agressões e feminicídio no País foram praticados por companheiros ou ex-companheiros. Nesse montante, o perfil das vítimas abrange mais mulheres negras e de baixa renda, na faixa etária de 20 a 39 anos de idade. O poder público brasileiro tem historicamente dado respostas no marco jurídico, resultando em mecanismos facilitadores para a denúncia e proteção das vítimas. Acima de tudo, novas iniciativas como a Casa da Mulher Brasileira, programa nacional que já soma quatro anos de existência, devem aumentar a rede de atendimento e a sua qualidade de serviços.

As universidades também têm feito seu papel. Exemplo disso é o Escritório USP Mulheres, que possui cursos sobre gênero abertos ao público e de fácil acesso pela internet, que podem ser feitos de qualquer lugar do País e horário de preferência. Além disso, o USP Mulheres difundiu uma cartilha que instrui a comunidade acadêmica sobre a violência de gênero na Universidade para que muitas pessoas conheçam seus direitos, canais de denúncia e redes de atendimentos nos diversos campi da Universidade. A partir de 2016, o Escritório integrou o programa da ONU ElesPorElas – HeForShe, projeto piloto que alcança dez países, dez empresas e dez universidades pelo mundo. A USP é a única universidade latino-americana contemplada.

A importância desses dias de ativismo vai muito além de simplesmente divulgar informações; trata-se de um chamado para realidades e desafios locais que possam ser discutidos em nível nacional e internacional, com o intuito de construir uma sociedade mais justa e a partir dos marcos comemorativos da ONU. No passado, três ativistas foram assassinadas na República Dominicana e tomou-se conhecimento por terem sido apurados os fatos. Da mesma maneira, as autoridades brasileiras também têm uma dívida com a sociedade: além de continuar investindo nos mecanismos de acolhimento de denúncias, medidas protetivas acerca da violência de gênero e investimento em projetos sociais que culturalmente invertam a perversa lógica da violência no nosso país, necessita-se esclarecer a execução da ativista Marielle Franco e de Anderson Pedro Gomes para que se descubra quais foram as tramas sociais e/ou extrainstitucionais que tentaram silenciar a representante do povo que divergiu politicamente (e pessoalmente) dos padrões tradicionais e conservadores.

 

Fonte: Jornal USP