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Às vésperas do Oscar, Marina Person questiona a ausência de diretoras mulheres nas premiações de cinema: ”Não me venham dizer que elas não estão interessadas em dirigir”

A recente onda feminista varreu como um furacão conceitos e padrões que nunca haviam sido questionados antes. Para mim, o abrir dos olhos se deu por volta de 2014, quando dirigi meu primeiro longa-metragem de ficção, Califórnia. Quando dei por mim, minha equipe era muito feminina, muito mais que o dito normal. Direção de fotografia, direção de arte, produção-executiva, figurino, maquiagem, eram todas equipes chefiadas por mulheres. A minha protagonista era mulher. E minha roteirista. E isso não foi uma ação afirmativa. Pra contar aquela história, simplesmente senti que precisava estar cercada por elas.

Marina Person

Cresci nos anos 80, quando se declarar feminista era quase um palavrão. As “feministas” eram aquelas mulheres beligerantes que colocavam todas as mazelas do mundo na conta da desigualdade de gênero. O feminismo, pra mim, era algo individual, uma luta íntima e solitária que eu travava no melhor estilo “pode deixar que eu sei cuidar de mim mesma, eu dou conta dessa bronca”. Devo ter engolido muita groselha nessa época, coisas que hoje não passariam de maneira alguma.

Mas sou uma mulher do meu tempo e peguei o bonde desse mundo novo. Comecei a olhar para a minha história e perceber que muita coisa tinha que ser revista. A começar pela faculdade de cinema. Lembro de ter estudado muito Einsenstein, Fritz Lang, Godard, Truffaut, Scorsese e Coppola, Glauber e Joaquim Pedro de Andrade. Não lembro de ter sido apresentada a Agnès Varda, nem Cléo de Verberena nem de Alice Guy Blaché. Eu não questionava isso.

Tampouco me estranhava o fato de metade da classe ser formada por mulheres, mas, no mercado de trabalho, elas seguiam todas para a produção ou direção de arte. Algumas poucas iam para montagem, as mais corajosas, para fotografia. E todas queriam dirigir. Mas porque eram tão poucas que conseguiam chegar lá? Hoje, a situação mudou, mas está muito longe de ser razoável. Nas escolas de cinema, em média, as mulheres representam 50% do total de alunos e quase todas aspiram a direção. Então, por que temos tão poucas diretoras no mundo?

Lady Bird, de Greta Gerwig

Fui pesquisar e me dei conta de alguns números que me impressionaram. Sabe quantos filmes dirigidos por mulheres ganharam a Palma de Ouro, que é o prêmio máximo no Festival de Cinema de Cannes, o mais prestigiado do mundo?Uma. UMA. E essa Palma ainda foi dividida com um (adivinhe) homem. Isso aconteceu em 1993 quando Jane Campion e O Piano dividiram o prêmio com Chen Kaige e o belo Adeus, Minha Concubina. Sabe quantas edições o Festival de Cannes já teve? 71. Em SETENTA E UMA edições, apenas um filme dirigido por uma cineasta mulher ganhou a Palma de Ouro.

Em 2018, 82 atrizes e outras mulheres poderosas da indústria preencherem o espaço mais cheio de glamour de Cannes, o tapete vermelho, pra denunciar essa desigualdade. Mas por que 82 mulheres? Porque na 71ª edição do festival, que existe desde 1946, apenas 82 filmes dirigidos por mulheres foram exibidos na competição. Sabe quantos filmes dirigidos por homens estiveram na competição nesse mesmo período? 1645 filmes. 1645 filmes dirigidos por homens versus 82 filmes dirigidos por mulheres.

 

Guerra ao Terror, de Kathryn Bigelow

 

Está bem, você não liga para o cinema europeu nem pra festivais, você quer saber do Oscar! Por que tanta grita e protesto no Oscar? Gosto sempre de falar em números, porque eles são autoexplicativos. Em 90 anos de Oscar (sim, o Oscar é mais antigo que o Festival de Veneza, que, por sua vez, é o festival mais antigo da Europa), sabe quantos filmes dirigidos por mulheres levaram a estatueta de melhor filme? Bem, antes de dizer esse número, vou só dar uma relembrada no tamanho da coisa.

O Oscar é um dos eventos de maior audiência no mundo, estima-se que 1 bilhão de pessoas assistam ao evento. Portanto, o que se vê ali, de fato, tem uma relevância. Bem, em 90 anos de Oscar, apenas um filme dirigido por uma mulher recebeu a estatueta de melhor filme. Isso aconteceu em 2010, com Guerra ao Terror. Kathryn Bigelow, que assina o filme, foi também a primeira mulher a receber a estatueta de melhor direção. Em nove décadas, apenas cinco mulheres foram indicadas a esse prêmio, a saber Lina Wertmüller (Pasqualino Sete Belezas, 1977), Jane Campion (O Piano, 1993), Sofia Coppola (Encontros e Desencontros, 2004), a própria Kathryn Bigelow e Greta Gerwig (Lady Bird, no ano passado).

Encontros e Desencontros, de Sofia Coppola

Em 2019, estamos ainda lamentando a ausência de mulheres nessas categorias. Meryl Streep, Frances McDormand, Natalie Portman, Viola Davis e outras mulhere maravilhosas têm feito bom uso da visibilidade e projeção que têm pra chamar a atenção pra essa discrepância. Não queremos ser iguais aos homens, queremos igualdade de oportunidades. E não venham me dizer, como fez um colega cineasta outro dia, que as mulheres não estão interessadas em dirigir. Sim, nós queremos e gostamos. Achar que dirigir filmes é uma função masculina é uma ficção super conveniente que alguns homens inventaram. Mas essa conveniência está com os dias contados.

FONTE: REVISTRA TRIP