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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em uma rodinha de colegas no Capão Redondo, na periferia de São Paulo, Maria Caroline, 16, ouvia em silêncio os meninos dizerem que “mulher tem que ganhar salário mais baixo porque engravida”. Fosse alguns meses atrás, a adolescente teria saído de perto, com raiva, sem se manifestar. “Não me sentia capacitada para falar sobre certos temas. Ficava retraída”, conta.

Desta vez, porém, a sua reação foi outra. “Nem sei o que disse, só sei que na hora saiu. Eles ouviram e concordaram comigo. Fui embora me sentindo bem demais”, lembra.

A adolescente atribui a mudança à Escola de Liderança para Meninas, projeto voltado para adolescentes entre 15 e 19 anos, moradoras da favela de Paraisópolis e do Capão Redondo. O curso começou em abril e vai até novembro.

A iniciativa é da Plan International Brasil, ONG que defende a igualdade para meninas. O sobrenome delas foi omitido porque muitas são menores de idade, em contexto de vulnerabilidade.

O projeto busca fortalecer a autoestima, desenvolver habilidades de liderança e incentivar a participação política e social. O curso, que já foi feito no Maranhão e no Piauí, acontece pela primeira vez em SP, com três turmas e 37 meninas.

Para Maria Caroline, as oficinas têm ajudado a dar valor às suas opiniões. “No meu meio, é comum dizer que mulher não pode falar de política. As pessoas te desmotivam”, reclama a estudante, que quer fazer faculdade de Direito. Ela estuda em uma escola adventista e seus pais são evangélicos -o pai é soldador e a mãe está desempregada.

Letícia, 17, diz que a oficina de saúde emocional foi a melhor. “Ajudou a me conhecer e saber que não preciso da aprovação do outro”. Letícia cursa ensino técnico de administração e quer fazer faculdade de psicologia, “se Deus quiser”.

“Trabalhar a autoestima é fundamental para jovens em contexto de vulnerabilidade, mas para meninas é ainda mais. Elas são doutrinadas desde cedo a pensar que são menos do que os homens e, por isso, não podem estar em lugares de destaque ou terem sua voz ouvida”, diz a gerente de projetos da Plan no Brasil, Gabriela Pluciennik.

A Escola de Liderança tem duração de quase 80 horas, com encontros semanais e visitas a locais como a Assembleia Legislativa (Alesp), prefeitura e conselhos participativos. As oficinas tratam de direitos humanos, democracia, participação feminina, políticas públicas e desigualdade de gênero, entre outros temas.

Na visita à Alesp, as meninas foram recebidas por deputadas mais jovens, como Marina Helou (Rede). Após a experiência, Letícia vê a política com outros olhos. Ela votou nas últimas eleições “sem nenhum critério, só pela cara da pessoa”, mas agora pretende pesquisar candidatos. “Achava que política era só ruim.”

Para Gyovana, 18, a visita foi inspiradora. “Foi importante ver mulheres lá”, diz ela, que faz faculdade de TI e é bolsista do Prouni. Da sua turma de 40 alunos, apenas 3 são mulheres. “Aprendi a não me rebaixar e vou levar isso para a minha futura profissão, onde o machismo predomina.”

Segundo Pluciennik, as visitas ajudam a desmistificar locais que as meninas nunca pensaram em ocupar, além de apresentar instituições e ferramentas de participação.

No final do projeto, cada aluna vai elaborar um plano de ação voltado para o seu território, acompanhado pelas educadoras. Na oficina da última quarta-feira (5) no Capão, as meninas, em sua maioria negras, falaram sobre racismo e beleza. A educadora Maria Edijane Alves, que também é negra e mora no bairro, propôs reflexões e exercícios.

“Uma autoimagem negativa abre espaço para abusos, violência e automutilação. E impede que você faça um concurso ou siga uma profissão por não se achar capaz”, disse.

Violência não é o foco do projeto, mas o tema é abordado e trazido pelas participantes. O fortalecimento da autoestima das meninas, segundo a ONG, é uma forma de prevenir a violência de gênero.

Em um encontro, uma delas relatou ter sido abusada sexualmente em casa -o familiar não vive mais com a menina. Dependendo do caso, a Plan encaminha a vítima para atendimento e ajuda a registrar a ocorrência.

A oficina sobre violência foi a mais significativa para Eyshilla, 19. “Vivia isso em casa, na igreja e na escola.” Ela conta que sofria bullying no colégio e ficava com hematomas. Na igreja, um menino a vetou em uma atividade, alegando que ela “não era inteligente”. “Tudo isso me prejudicou muito.”

Nos encontros, as meninas contam experiências íntimas, desde a luta contra o câncer da mãe até brigas familiares. Elas costumam dizer que as oficinas são um lugar seguro, em que elas se sentem confiantes para falar. “Ninguém vai te julgar ou dizer que seu problema é pequeno”, diz Mariana, 16.

As meninas também marcam de sair nas horas livres. Na turma de Paraisópolis, combinaram de se encontrar em um evento cultural na favela, diz Maria Marta, 19. “Criamos um vínculo afetivo.”

 

 

FONTE: GAÚCHAZH GERAL