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Quando uma menina de apenas 10 anos deu entrada pela primeira vez em um hospital de São Mateus, no Espírito Santo, no dia 7 de agosto, reclamando de dores no abdômen, sua gestação, descoberta naquele momento, tinha 21 semanas. A criança então revelou que era vítima de estupro desde os 6 anos, violentada por um tio.

Não bastasse a insanidade de considerar que o corpo de uma criança de 10 anos pudesse gestar outra criança até um estágio mais avançado do que já se encontrava, a menina ainda desenvolveu diabetes gestacional, segundo advogada Sandra Lia Bazzo Barwinski, do Comitê da América Latina e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem Brasil), que acompanha o caso – o que a colocou ainda mais em risco.

Tudo isso somado a um trauma psicológico profundo. Na decisão do juiz Antonio Moreira Fernandes, da Vara da Infância e da Juventude de São Mateus, que concedeu o direito ao aborto, um dos profissionais que atendeu a criança relata que “ela apertava contra o peito um urso de pelúcia e só de tocar no assunto da gestação entrava em profundo sofrimento, gritava, chorava e negava a todo instante, apenas reafirmando não querer”.

Quando enfim, no domingo, a menina, já com mais de 22 semanas de gravidez e após deixar seu estado para fazer o procedimento em Recife, conseguiu o atendimento necessário, de forma sigilosa para proteger o que restava de sua integridade, a ativista bolsonarista Sara Giromini, conhecida como Sara Winter, divulgou o nome da criança e o hospital em que ela estava sendo atendida para convocar um protesto. Na tarde de domingo, um grupo de dezenas de manifestantes se reuniu em frente ao local tentando impedir o aborto.

A divulgação das informações sobre a menina – que tinha a identidade preservada até então – vai além da crueldade. O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que completou 30 anos em julho passado, estabelece, em seu artigo 17 que o “direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”.

A ativista e seus seguidores usam como argumento a idade gestacional da criança, dizendo que, com 22 semanas, a menina correria mais risco com o aborto do que se esperasse mais para fazer uma cesárea. No domingo à noite, o médico Olimpio Barbosa de Morais Filho, responsável pelo procedimento, disse ao jornal A Tribuna, do Espírito Santo, que o risco de aborto era menor do que o risco de um parto no caso da menina.

“Todo procedimento tem um risco, mas garanto a você que o risco é menor que um parto. No caso dela, se continuasse a gravidez, por causa da idade, teria riscos muito maiores de complicações e morte que uma mulher adulta. Além disso, ela não queria de jeito nenhum a gravidez. Ela verbalizava que não aceitava de jeito nenhum. Quando acontece isso, obrigar uma criança é uma tortura muito grande, destrói a vida da pessoa”, disse o médico ao jornal.

Na decisão do juiz Antônio Moreira Fernandes, em que ele atendeu a um pedido do Ministério Público, favorável à interrupção da gravidez, ele afirma “que é legítimo e legal o aborto acima de 20-22 semanas nos casos de gravidez decorrente de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia fetal”. Também diz que “a vontade da criança é soberana ainda que se trate de incapaz, tendo a mesma declarado que não deseja dar seguimento à gravidez fruto de ato de extrema violência que sofreu”.

Segundo reportagem do Fantástico, agora a Promotoria da Infância e da Juventude de São Mateus “vai investigar se pessoas ligadas a grupos políticos foram até a casa da família para pressionar a avó a não autorizar o aborto”.

O sofrimento brutal da menina ganhou proporção de embate político e virou um circo na arena polarizada do Brasil hoje, quando o que essa criança mais precisava era de um tratamento cuidadoso, seguro, rápido e respeitoso. Nisso, falhamos como sociedade.

A pergunta que fica é quantas violências podemos evitar que ela ainda sofra. Porque seu caminho até aqui já foi doloroso demais para uma criança de 10 anos.

 

 

 

 

FONTE: HUFF POST BRASIL