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Por Diogo Cavalcante

 

Maria da Penha tem 74 anos. Farmacêutica de formação, foi forçada a virar ativista após ver, na própria pele, o mal trazido pelo machismo enraizado na sociedade. Em 1983, quando ainda sequer existiam discussões sobre violência contra a mulher, ela sofreu a primeira tentativa de assassinato, com um tiro disparado em uma espingada segurada pelo seu ex-marido, Marco Antonio Heredia Viveros. Em entrevista ao Diario de Pernambuco, a mulher que virou símbolo do combate à violência de gênero cobra mais empenho político para fazer a lei nº 11.340 funcionar, fala sobre como está a vida atualmente e afirma ver um ataque às políticas de proteção à mulher.
Desde que a lei, batizada com seu nome, foi decretada, em agosto de 2006, Maria da Penha afirma ver avanços na igualdade de gênero, mas com “muitas dificuldades”. “Pela falta de compromisso de muitos gestores públicos, para que a lei seja devidamente implementada. Nas capitais, onde há mais estrutura, há essa implantação. Não sei se o machismo é mais forte no Nordeste, mas há a carência, principalmente no interior, de políticas públicas. Estamos tentando sensibilizar os prefeitos dos pequenos municípios a criarem um Centro de Referência da Mulher, dentro de uma unidade de saúde”, revela.

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Ataques às políticas de direitos da mulher
“Sinto isso. Até pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Esse conselho se reúne trimestralmente, em Brasília, e algumas reuniões foram canceladas sob justificativa de que não tinha verba para trazer as pessoas para lá”.
Demonização do feminismo
“Isso é o resultado do machismo na sociedade. No relatório da Organização dos Estados Americanos sobre o meu caso, há uma observação: ‘Toda cultura só se desconstrói através da educação’. Em algumas capitais brasileiras, através dos educadores sociais que trabalham a lei, as crianças já estão sendo sensibilizadas sobre. Nós, mulheres, queremos ter os nossos direitos respeitados, do mesmo jeito que respeitamos os direitos dos homens”.

Maria da Penha chegou ao Recife nessa quarta-feira (4), onde participou de capacitação de pesquisadoras na UFPE - Peu Ricardo/DP
Maria da Penha chegou ao Recife nessa quarta-feira (4), onde participou de capacitação de pesquisadoras na UFPE – Peu Ricardo/DP
Progressista?
“Eu sou uma pessoa da paz. Não tenho um entendimento muito apurado. O entendimento sobre violência contra a mulher fui obrigada a aprender por ter sido vítima”.
Sentindo na pele
“Eu não tinha ideia do que era machismo, violência doméstica. Eu vivi um relacionamento saudável até o momento em que meu companheiro se naturalizou brasileiro. Aí ele mostrou a verdadeira face. E eu não reconhecia mais aquela pessoa companheira, amiga, com que eu havia me relacionado. E não tive também a condição de sair desse relacionamento. Foi na mesma época dos casos de Doca Street (assassinou a namorada, Ângela Diniz, em 1976) e do cantor Lindomar Castilho (que tirou a vida da esposa, Eliana de Grammont, em 1981). Em Fortaleza, nem tinha delegacia da mulher quando sofri a primeira tentativa de homicídio. Meu caso foi em 1983 e a delegacia só veio em 1985”.
Percepção de violência
“Eu estava dormindo e acordei com um forte barulho dentro do quarto e não conseguia me mexer. Pensei ‘puxa, meu marido me matou’. Fui acudida pelos vizinhos e o meu agressor foi encontrado com uma corda no pescoço, sentado, na cozinha, com o pijama rasgado. A versão dele era de que quatro pessoas tinham tentado assaltar a casa. Passei quatro meses hospitalizada e, quando voltei para casa, as moças que trabalhavam comigo relataram que a vizinhança tinha dúvidas sobre a explicação dele. Elas tinham visto ele limpando uma espingarda no escritório quando eu estava fora de casa, coisa que eu não sabia. Aí que eu percebi que estava correndo risco.
Segunda tentativa
“Através de um chuveiro elétrico propositalmente danificado. Eu percebi a tempo que estava dando choque. Aí pedi a minha família para providenciar a separação de corpos, para que não fosse considerado abandono de lar. Quando recebi o documento, peguei minhas coisas e fui pra casa de meus pais. O inquérito foi retomado, fui ouvida pelo delegado e quando meu agressor depôs novamente, caiu em contradição. A história não se sustentava mais e virou tentativa de homicídio”.
"O entendimento sobre violência contra a mulher fui obrigada a aprender por ter sido vítima", conta Maria da Penha - Diogo Cavalcante/DP
“O entendimento sobre violência contra a mulher fui obrigada a aprender por ter sido vítima”, conta Maria da Penha – Diogo Cavalcante/DP
Contato zero
“Eu não tenho nenhum relacionamento com ele desde que saí de casa. Minhas filhas também não tem. Ele foi um péssimo pai, muito agressivo. Elas filhas tinham medo dele”.
Redenção de agressor
“Eu acredito. Na maioria dos agressores é possível existir uma redenção. Nossa cultura tem muito machismo, e isso se repete dentro das casas. Os homens de hoje, ao ver o pai bater na mãe, conseguem repudiar isso. E aqueles que não se libertam desse machismo, a lei ajuda a conscientizá-lo, porque ele aprendeu a ser assim”.
Cotidiano
“Eu não tenho mais vida própria. Não posso mais ir a um supermercado, a um local de comércio grande, porque sou reconhecida. Fica muito difícil escolher uma roupa, algo assim. Minha família me protege dessa maneira, comprando o que preciso, para não me expor muito. Entendo o carinho das pessoas, mas fica muito difícil. Hoje eu vivo em função dessa causa. Quando viajo, muitos me procuram. Bom frisar que  não só de mulheres, mas muitos homens também.
Maria da Penha por ela mesma
“A minha luta é uma luta muito válida, e peço sempre a Deus, todos os dias, muita saúde, agradeço. Com limitações, tenho atendido a todos os pedidos que são feitos a mim, desde que haja espaço (na agenda). Me sinto feliz por esclarecer dúvidas de pessoas que não têm entendimento sobre machismo, assim como eu não tinha”.

Visita a Recife
Maria da Penha está na capital pernambucana para participar da inauguração da unidade regional do Instituto Maria da Penha (IMP), marcada para a tarde desta quinta-feira (5). A entidade ficará abrigada no segundo andar do prédio da Secretaria do Trabalho, Emprego e Qualificação (Seteq). Por lá, as vítimas de agressão encontrarão acolhimento e orientação. Até o fim do mês, o espaço também oferecerá cursos de capacitação profissional e empreendedorismo – assim, contribuindo para retirar a mulher do ciclo da violência. Ainda nesse aspecto trabalhista, o IMP trabalha junto à empresa Talenses e ao Instituto Vasselo Goldoni para saber como o tema anda sendo tratado no ambiente corporativo.


Fonte: Diário de Pernambuco