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Uma das vítimas receberá R$ 60.000,00 a título de danos morais, mais R$ 60.000,00 a título de danos estéticos, e R$ 5.860,00 a título de danos danos materiais. A outra receberá R$ 15.000,00 a título de danos morais.

Processo nº 0024.13.354.100-3

Ação de Reparação de Danos Materiais e Morais

Autor – M. L. C. P. e A. A. P.

Réu – V. G. C. R.

Vistos, etc.

Trata-se de Ação de Reparação de Danos Materiais, Estéticos e Morais movida por M. L. C. P. e A. A. P. em desfavor de V. G. C. R., dizendo os autores que a primeira requerente era colega de Faculdade, curso de Medicina, do réu. O segundo autor é pai da primeira requerente. O réu mantinha amor platônico pela primeira autora, embora nunca tiveram qualquer relacionamento. Na data de 20.03.2011 quando a autora esteve em uma festa com colegas da UFMG, onde também estava o réu, foi aquela para sua casa, e chegando em sua residência, notou que o réu invadiu a garagem, e de posse de uma face golpeou a autora várias vezes, e ao ser socorrida por seu pai, foi este também ferido pelo réu. Descreve os ferimentos e lesões sofridos por ambos autores, perda de órgão, descrevendo ainda angústias e sofrimentos e até tiveram de mudar de endereço por medo de novas agressões, a tendo ainda se afastado do curso por vinte dias. Teve gastos materiais com dentista de R$ 5. 860,00 e gastos e tratamento médico pelo SUS. Assim, pede a autora indenização por danos morais, estéticos e materiais, e o segundo autor danos morais, e também ônus de sucumbência. Anexam documentos.

Deferida a gratuidade e determinada a citação, fls. 24.

Citado, o réu contestou, fls. 28/41. Diz que não há dever de indenizar. Não cometeu conduta ilícita, sendo os fatos mero dissabor. Diz que foi pronunciado criminalmente, mas feito em grau de recurso. Nega ser caso de dano moral ou estético. Diz que a prova é da autora. Questiona ainda valores indicados na inicial. Pede improcedência. Anexa documentos.

Réplica da parte autora fls. 45 e seguintes.

Anexados aos autos cópia do processo criminal contra o réu.

Deferida prova pericial, com laudo produzido de fls. 381/392.

Pronunciaram as partes sobre o laudo, com sua homologação pelo juízo fls. 4001.

Alegações finais apresentadas em forma de memoriais, sendo autor de fls. 402/47 e réu de fls. 409/410.

É o relatório, em síntese. Segue DECISÃO:

Processo em ordem. Nada a sanear.

1. Da Responsabilidade civil do réu:

No caso dos autos houve agressão física em ambos os autores, com mais intensidade contra a requerente M. L..

No data dos fatos, a primeira autora estava em evento festivo com outros colegas, onde também estava o réu. Ao ir para sua casa a autora foi seguida pelo requerido, que chegando na residência de M. L., o réu enciumado, já foi agredindo a esta com uso de arma branca, onde se evidencia amor doentio e motivado por ciume, face paixão que nutria pela colega de faculdade.

Não existia razão para a conduta do réu, sendo o ato praticado ilícito, e que causou efetivos danos à requerente, e da mesma forma ao pai desta, o segundo autor.

Até se compreende a defesa, que afirma não ter havido ilícito ou similar, ou que os fatos seriem mero dissabor, já que não está o advogado obrigado a confessar culpabilidade de seu cliente.

Como sabido, a responsabilidade civil, embora escorada no mundo fático, tem sustentação jurídica. Depende da prática de ato ilícito e, portanto, antijurídico, cometido conscientemente, dirigido à um fim, ou orientado por comportamento irrefletido, mais informado pela desídia, pelo açodamento ou pela inabilidade técnica, desde que conduza a um resultado danoso no plano material, imaterial ou moral.

Nestes termos, cumpre analisar os elementos ensejadores da responsabilidade civil decorrente de dever jurídico, quais sejam, conduta ilícita, dano e nexo de causalidade entre a conduta e o dano; a fim de verificar a caracterização ou não dos mesmos no caso dos autos.

O Código Civil, em seu artigos 186 e 187, conceituou ato ilícito, para fins de responsabilidade civil, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência ou abuso de direito.

Para que se configure o ato ilícito que enseja a reparação in casu, é necessário que simultaneamente ocorram as seguintes situações: (1) fato lesivo voluntário, causado pelo agente, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência (RTs 443/143, 450/65, 494/35, 372/323, 440/74, 438/109, 440/95, 477/111 e 470/241); (2) ocorrência de um dano patrimonial ou moral, cumuláveis as indenizações por dano material ou moral decorrentes do mesmo fato (RTs 436/97, 433/88, 368/181, 458/20, 434/101, 477/247, 490/94, 507/95) e (3) nexo de causalidade entre o dano e o comportamento do agente (RTs 477/247, 463/244, 480/88, 481/211, 479/73 e 469/84).

Todos esses requisitos estão presentes, já que o réu, com uso de faca, sem motivo ou provocação das vítimas, agrediu a estas, ferindo-as, cujas razões nem ele mesmo, validamente, explica.

O réu até foi pronunciado pela Justiça Criminal em face da sua conduta, mandado a júri popular, embora não sentenciado ainda.

Mas não se está discutindo culpabilidade criminal e sim cível (responsabilidade civil subjetiva), e as esferas são independentes.

No caso, houve dano com lesão corporal, houve culpabilidade, já que a conduta do réu foi violência contra ambas as vítimas e nenhuma deles concorreu para os fatos.

Mas o fato dos autos é grave, e teve graves consequências para as partes, incluindo o réu, que deixou faculdade, voltando para sua cidade natal.

Não há dúvida de que teve lesão em ambos os autores, e mesmo que a defesa quanto a A. fale apenas em “dor em dedo”, isso será objeto de maior enfoque mais à frente.

O Laudo pericial fls. 387, sintetizou que:

1- Status após cirurgia para tratamento de lesões internas provocadas por agressão por arma branca.

2 – Houve necessidade de ablação da vesícula biliar.

3 – A despeito de danos no fígado e vesícula biliar, rim direito, diafragma, hemoperitônio e hemotórax bilateral, cursou com ausência de sequelas funcionais dos órgãos atingidos.

4 – Apresente dano estético.

5 – Esteve internada por 15 dias e o tempo estimado para a consolidação e complemento dos tratamentos foi estimado em três meses”;

Sobre lesão física e reparação moral, observe-se, neste sentido, a lição de José Afonso da Silva:

“Agredir o corpo humano é um modo de agredir a vida, pois esta se realiza naquele. A integridade físico-corporal constitui, por isso, um bem vital e revela um direito fundamental do indivíduo” (Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo, Malheiros, 1997, p. 196).

Como visto no laudo pericial, teve tanto dano físico como estético.

Assim, conclui-se pela responsabilidade civil do réu, que agindo de forma consciente causou danos aos autores, de forma que deve ser condenado à efetiva reparação, e observando-se o artigo 944 do CC quanto á extensão dos danos, com base na prova dos autos, fotografias, processo criminal reproduzido e e laudo pericial.

2 -Danos Morais e Estéticos:

Reclama a autora de forma individualizada danos morais e danos estéticos, matéria esta pacificada com a edição da recente Súmula 387, do STJ.

“É possível a acumulação das indenizações de dano estético e moral”

Segundo o entendimento firmado, cabe a acumulação de ambos os danos quando, ainda que decorrentes do mesmo fato, é possível a identificação separada de cada um deles.

Em um dos recursos que serviu de base para a edição da Súmula 387, o STJ avaliou um pedido de indenização decorrente de acidente de carro em transporte coletivo. Um passageiro perdeu uma das orelhas na colisão e, em consequência das lesões sofridas, ficou afastado das atividades profissionais. Segundo o STJ, presente no caso o dano moral e estético, deve o passageiro ser indenizado de forma ampla.

No caso dos autos, a vítima teve várias lesões no corpo, de natureza estética, com cicatrizes indeléveis, teve ruptura e lesões em órgãos internos como se vê do item 3, de fls. 387 do laudo: 3 – A despeito de danos no fígado e vesícula biliar, rim direito, diafragma, hemoperitônio e hemotórax bilateral, cursou com ausência de sequelas funcionais dos órgãos atingidos e teve internação hospitalar, perdendo ainda dias de aulas.

E o caso dos autos existe a peculiaridade, muito bem focada na prova pericial, e ilustrado por fotografias, que a autora além das permanentes cicatrizes e por evidências, teve e tem até a presente data problemas psicológicos e stress decorrentes do evento em exame, que em casos tais, admite-se a cumulação das parcelas, porque com fundamentos diversos e independentes, haja vista que suas consequências podem ser separadamente identificáveis.

Do nosso Tribunal de Justiça, também, temos, dentre outros, os precedentes infra, verbis:

“É possível a cumulação da reparação por danos materiais, morais e estéticos, pois se trata de entidades diferentes em que a lesão a ser reparada feriu cada um dos valores, isoladamente. O arbitramento da indenização por dano estético, assim como se dá na estipulação do dano moral, é ato do juiz, que deve se ater às circunstâncias de cada caso e se orientar pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se, ainda, de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida, notadamente à situação econômica das partes e às peculiaridades de cada caso “. (TJMG, Apelação Cível nº 1.0183.05.098173-1/001(1), 12ª Câmara Cível do TJMG, Rel. José Flávio de Almeida. j. 12.09.2007, unânime, Publ. 22.09.2007).

“Cumula-se o ressarcimento do dano estético com o dano moral quando, em relação a este, ocorrer a deformidade física que, expondo a vítima a constrangimentos, venha a causar-lhe também a perda da auto-estima, experimentando prejuízos em conviver ou suportar a lesão estética “. (TJMG, Apelação Cível nº 1.0145.03.109931-3/001(1), 18ª Câmara Cível do TJMG, Rel. D. Viçoso Rodrigues. j. 19.06.2007, Publ. 03.07.2007).

2. 1. – Do Valor do Dano moral:

A “quantificação” do dano sofrido por alguém é sempre uma árdua tarefa que se afigura aos magistrados. É necessário ter em mente a sua função “educadora/corretiva/punitiva”, imposta ao ofensor, no sentido de evitar que novos danos se concretizem. Por outro lado, na visão do ofendido, é impossível que se estabeleça uma compensação aritmética, ou matematicamente mensurável. O que se busca é tão somente uma contrapartida ao mal sofrido, daí denominar-se “compensação por danos morais”.

O dano moral, de natureza psicológica, com stress permanente, como vem ocorrendo desde a data do evento agressivo perpetrado pelo réue até a realização da prova pericial, e com evidência de se protrair no tempo, tem relevância jurídica e deve haver uma justa compensação pecuniária.

Como sabido, a lesão psicológica é tão grave quanto à lesão física ou estética, porque aquela atinge o fundo da alma, gerando ansiedade e sofrimento, com desequilíbrio emocional, perda da auto-estima e demais fatores internos conexos, e no caso teve até de mudar de endereço, face trauma da situação vivida e criada pela conduta do réu.

Dizer o réu que não tem situação financeira conhecida ou razoável, não impede arbitramento de valor, até porque nesta fase de conhecimento está-se discutindo extensão da lesão e culpabilidade, e não solvência ou outro elemento próprio para cumprimento de sentença.

Assim, arbitro o valor do dano moral para a Autor M. L. C. P. em R$ 60.000,00.

E para o autor A. A. P. diz a defesa que não teve ferimentos. No memorial de fls. 409/410 a defesa insiste na falta de comprovação de ferimentos, e que teria tido mera dor no quinto dedo da mão esquerda, reportando-se ainda ao documento de fls. 42/43.

Entendo que sem razão a defesa, dmv.

Pelo documento de fls. 13/14, há relato de ferimento e agressão, tendo sofrido também humilhantes “chutes no tórax”.

Ora, o documento do SUS, tem presunção de legitimidade, e dá materialidade a dor e lesão, porque oriundo do Poder Público, e contemporâneo os fatos, ao contrário de outras avaliações médicas, produzidas muito depois do ocorrido.

“Princípio da presunção da verdade, assim enunciado: Os atos editados pela Administração presumem-se verdadeiros, até prova em contrário”CRETELLA JR, J. Curso de Direito Administrativo, Forense, Rio de Janeiro, 10ª ed. 1989, p.7.

Autor de um dos melhores trabalhos de nossa literatura jurídica a respeito do assunto, Wilson Melo da Silva, em seu “O DANO MORAL E SUA REPARAÇÃO” ensina:

“O patrimônio moral decorre dos bens da alma e os danos que dele se originam seriam, singelamente, danos da alma, para usar da expressão do evangelista São Mateus, lembrada por Fischer e reproduzida por Aguiar Dias”. (Forense, 2ª ed., 1969, pp 505 e seguintes).

Vai daí que:

“O dano moral alcança valores ideais, não apenas a dor física ou o reflexo patrimonial. Repita-se, há duas diretrizes que merecem especial destaque: a finalidade da sanção reparatória, não no sentido de pena, mas, para que o ato abusivo não se repita, e a finalidade da reparação moral, que visa não à restauração do patrimônio da vítima, mas apenas proporcionar-lhe uma indenização compensatória pela lesão sofrida.”(Apelação Cível nº 0015839-81.2015.8.13.0558 (1), 4ª Câmara Cível do TJMG, Rel. Dárcio Lopardi Mendes. j. 05.04.2018, Publ. 11.04.2018).

“A reparação por dano moral tem lugar quando, por fato grave, que extrapole a normalidade da vida em sociedade, o lesado sofra dor, humilhação ou vexame, com reflexo em seu bem estar emocional, experimentando sentimento profundo de tristeza, impotência, frustração ou angústia” (Apelação Cível nº 0002122-77.2016.8.13.0069 (1), 9ª Câmara Cível do TJMG, Rel. Márcio Idalmo Santos Miranda. j. 23.03.2018, Publ. 10.04.2018).

Ora, o autor A. teve lesão no dedo. Sofreu chutes. Viu a filha à beira da morte, á sua frente, por ato voluntário do réu.

Dessa forma, tutela-se também direito a dano moral desse autor, que apenas teve lesão menor, mas também sofreu muito, ainda veio em socorro da filha, teve seu sangue derramado em face de ato do réu, vendo ainda sua filha com risco efetivo de morte, de forma que quanto a este arbitro o valor da indenização moral em R$ 15.000,00.

2. 2. – Do Valor do Dano Estético:

Quanto ao dano estético, entendo que teve grande proporção, e igualmente lesivo à autora, e deve ter também uma reparação pecuniária.

O dano estético é toda alteração morfológica do indivíduo, que, além do aleijão, abrange as deformidades ou deformações, marcas e defeitos, ainda que mínimos, e que impliquem sob qualquer aspecto um afeiamento da vítima, consistindo numa simples lesão desgostante ou num permanente motivo de exposição ao ridículo ou de complexo de inferioridade, exercendo ou não influência sobre sua capacidade laborativa. P. ex.: mutilações (ausência de membros – orelhas, nariz, braços ou pernas etc.); cicatrizes, mesmo acobertáveis pela cabeleira ou pela maquilagem; perda de cabelos, das sobrancelhas, dos cílios, dos dentes, da voz, dos olhos (RJTJSP, 39:75).

Conforme conclusão do laudo pericial já referidas as lesões são permanentes e irreversíveis, de forma que a autora carregará para sempre a lembrança daquele infausto evento onde a saída de evento festivo, indo para sua casa – onde hoje já não reside por culpa do réu – alegria antes vivida transformou-se em pesadelo eterno ou vitalício, em que jamais terá uma vida 100% normal ou jamais terá equilíbrio emocional de antes.

Assim, arbitro o valor do dano estético em R$ 60.000,00.

3. – Despesas Materiais:

Funda-se o pedido nos documentos de fls. 18/19, onde consta valores.

O dano material é efetivo. Não basta réu impugnar orçamentos, sem contra-prova e sem demonstrar que os valores são fictícios ou desnecessários.

Assim, quanto às despesas para fins de tratamento dentário e conexo, o valor gasto ou orçado foi de R$ 5.860,00, que se defere, face ato doloso do réu, com juros e correção monetária incidentes desde a data do evento danoso na forma das Súmulas 43 e 54 do STJ.

Posto isso,

Nos termos do artigo 487, I, do CPC, julgo procedente o pedido inicial, para condenar o réu V. G. C. R. nas parcelas seguintes: 1 – pagar à autora M. L. C. P. os valores de R$ 60.000,00 a título de danos morais, mais R$ 60.000,00 a título de danos estéticos, e R$ 5.860,00 a título de danos danos materiais; 2 – pagar ao autor A. A. P. o valor de R$ 15.000,00 a título de danos morais.

Os valores acima serão corrigidos da seguinte forma: todos os valores serão corrigidos com juros de 12% ao ano, desde data do evento danoso (20.03.2011), por se tratar de ato ilícito – ex vi súmula 54 do STJ. A correção monetária do dano material, também retroagirá à data do evento. Os danos morais e estéticos serão corrigidos a partir desta data (20.07.2018) conforme Súmula 362 do CPC. Os índices da correção monetária são os adotados pela Tabela da CGJ/TJMG.

Condeno o réu ainda nas custas e despesas do processo, inclusive perícia de R$ 3.000,00 (fls. 371) e mais 15% a título de honorários advocatícios, sobre o valor da condenação, frisando que os autores não foram sucumbentes, já que as parcelas de natureza extrapatrimoniais são meramente enunciativas e depende de arbitramento judicial, ex vi Súmula 326 do STJ.

Observe-se que o réu litiga sob pálio da assistência judiciária (fls. 66), de forma que ficam suspensas as exigências de pagamento das parcelas sucumbenciais, conforme artigo 98 e §§ do CPC, salvo se os interessados/credores provarem no curso de cinco anos sua solvência, para reabertura do caso nesta parte.

P. R. I. A.

Belo Horizonte, 20 de julho de 2018.

GERALDO DAVID CAMARGO

Juiz de Direito – 30ª Vara Cível

SAIU NO SITE JORNAL JURID

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