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Karina Kufa teria sido engenheira química se não fosse o pai de um namorado da juventude, “um cara exemplar, professor de Direito Tributário e procurador da República”. “Nem gostava do rapaz, mas botei na cabeça que queria ser como o pai dele”, conta em um almoço que aconteceu no início de janeiro e acabou rendendo esta entrevista. Karina é hoje, aos 38 anos, muito do que desejava ser naquela época. Professora e coordenadora da pós-graduação em Direito Eleitoral da Faculdade de Direito Público de SP, advogada do presidente da república no âmbito eleitoral e do filho dele, Eduardo Bolsonaro, nos âmbitos eleitoral e pessoal, além de defensora jurídica do PSL, partido de ambos.

Karina é ainda um pouco do que nunca foi criada para ser: feminista e militante por mais mulheres na política e no direito brasileiros. Além do trabalho à frente do seu escritório em São Paulo, a Kufa Advocacia, faz parte dos movimentos Mais Mulheres no Direito e Iguala OAB, que lutam por igualdade de gênero em sua seara, e está à frente do Eleita, projeto que acaba de lançar e deve ser “uma escola suprapartidária de formação política feminina”. “A ideia é que possamos demonstrar os primeiros resultados nas eleições de 2020”, diz, otimista.

A história com o feminismo começou há mais de dez anos, em um cenário que mistura a Ordem dos Advogados do Brasil, a OAB, e uma Karina recém-formada e recém-chegada à instituição. Por lá, seus movimentos pró-mulheres não eram encorajados, mas “vetados com louvor”. Especialmente pelos homens. “Eles estão com ciúmes porque você está aparecendo demais”, ouviu de uma colega. Desiludida, foi contar para uma conhecida – Eliane Belfort, única mulher a ocupar a direção da Fiesp – dos boicotes que estava sofrendo. “É machismo o nome disso”, disse Eliane. “Neguei veemente. Mas imagina, eu não sabia o que falava”, recorda Karina, que ressignificou essa questão. “Tem mulheres que criticam outras pelo fato de não se dizerem feministas. Não julgo. Já fui assim. Hoje, procuro mostrar outros pontos de vista e apresentar o feminismo para as pessoas. Inclusive, já fiz isso com o Eduardo Bolsonaro [ri].”

Eduardo, para quem explicou o feminismo, é seu cliente enquanto deputado federal e enquanto pessoa física. Da família Bolsonaro, ele é o segundo assessorado juridicamente por Karina, que começou seus contatos resolvendo uma questão espinhosa no PSL de São Paulo (que estava com o diretório estadual suspenso pela Justiça Eleitoral e não poderia lançar candidaturas) e logo entrou para a coordenação da área eleitoral da campanha presidencial de Jair Bolsonaro. Agora, ela continua como advogada do partido, porém em âmbito nacional, e advoga para o presidente no âmbito eleitoral. Mas aceitar trabalhar para os Bolsonaro não foi uma decisão simples tomada em um piscar de olhos. “Pensei, repensei, consultei meu marido e amigos próximos. O que me fez decidir foi meu filho de 16 anos, que ficou em êxtase quando soube do convite. Ele ama o Bolsonaro. O conheceu por conta de um canal no YouTube, o do deputado federal Luiz Miranda [DEM-DF]. Agradeço a ele. Se não fosse seu apoio, talvez teria mantido meu preconceito.”

Nesta entrevista, a advogada fala desse receio e de como o desconstruiu ao começar a trabalhar para o presidente eleito. Fala ainda de como pretender influenciar o clã Bolsonaro em questões como igualdade de gênero e da importância de ser uma feminista dentro do Governo: “É mais importante ter mulheres com o meu pensamento dentro, do que fora, tacando pedra”.

O começo e os dilemas
“O PSL de São Paulo estava com o diretório estadual suspenso pela Justiça Eleitoral e não poderia lançar candidaturas. Então a Joice[Hasselmann, deputada federal por São Paulo] não era pra ser candidata, Major Olímpio[senador por São Paulo], Eduardo [Bolsonaro, deputado estadual, também por São Paulo], nenhum deles. Isso porque o PSL prestou contas, mas sem documentação. Isso foi em 2017. Passaram a situação para eu resolver. Era praticamente impossível. Bem, entrei no processo e resolvi em dez dias, coisa que nem eu esperava. Liguei para o Major Olímpio para contar e ele começou a chorar ao telefone. Na ocasião da diplomação, o Eduardo [Bolsonaro] fez um post no Twitter me agradecendo. ‘Sem a Karina, nenhum candidato teria sido lançado pelo PSL SP.’ Quando resolvi o problema do PSL SP, o Gustavo Bebianno, que hoje é secretário-geral da Presidência, na época presidente nacional do partido, pediu para eu assumir as contas do presidente, isso ainda durante a campanha. Pensei: e agora? Uma coisa é o partido, outra é ele. Tenho um filho de 16 anos e um de 3. O mais velho ficou em êxtase quando soube do convite, porque ele ama o Bolsonaro. Aí fui conversar com um amigo meu, que é procurador eleitoral em SP e um homem feminista, Luís Carlos Gonçalves. Ele disse: ‘É uma campanha de presidente, uma baita oportunidade. E na prestação de contas você não terá visibilidade’. Aceitei.”

 

O feminismo e o novo trabalho
“Nem todas minhas amigas feministas ficaram felizes por mim. Teve algumas que começaram a me ofender. Mas quem fez isso não me conhece de verdade ou já não gostava de mim por outras razões. Acabei até saindo de grupos de WhatsApp, para que elas ficassem à vontade e não se incomodassem com a minha presença. Lidero um grupo que chama Mais mulheres no Direito. E é um grupo que tem ministras, promotoras, juízas. No começo do ano, fizeram uma nota de repúdio ao presidente. Não li nada. Para mim, não há conflito, vou continuar lutando pelas mulheres.”

A advogada Karina Kufa (Foto: João Bertholini)

Mais mulheres no poder
“Com o Eleita, queremos preparar candidatas para concorrer através de cursos sobre direito eleitoral. E queremos inclusive oferecer bolsas para mulheres que não têm condições de pagar. Os partidos reclamam que, apesar das cotas, as mulheres não têm interesse em participar da política. Eu já penso que há falta de oportunidade para elas.”

Assédio na OAB
“Um dos caras que me boicotou na OAB me assediava. Mandava mensagens para o meu celular, falando que tinha comprado um carro caro e perguntando se eu queria dar uma volta com ele. Eu não respondia as mensagens. Um dia ele me ligou perguntando por quê. Eu disse que no dia em que ele mandasse uma mensagem pertinente à comissão, responderia. A partir daí, ele passou a me perseguir. A verdade é que alguns homens não toleram mulheres que apresentam suas ideias. Chamam de petulância. Já os homens que apresentam suas ideias, são admiráveis.”

Mas olha, está totalmente administrável. Não vejo risco nenhum. É uma ação totalmente infundada e bem frágil. Conversei olho no olho com cada um que foi responsável pela administração das redes, nada foi contratado pela campanha, nada foi feito nesse sentido de WhatsApp. A única contratação de WhatsApp que houve foi para informar que o telefone da empresa que fez a vaquinha virtual tinha mudado. O Facebook é tão efetivo para candidatos que o WhatsApp é bobagem. E, teve fake news contra [Fernando] Haddad eManuela [d’Ávila]? Teve. Teve fake news contra o Jair Bolsonaro? Teve, e bastante. Então, teve um equilíbrio de fake news. Os Bolsonaro conseguiram usar de forma inteligente as redes sociais. Meu filho nem vota, mas virou fã do Jair Bolsonaro por causa do YouTube. A própria Joice [Hasselmann], olha como ela foi bem votada! Ela é forte no YouTube. Agora, acreditar que essas pessoas todas foram eleitas por causa de fake newsno WhatsApp, sem prova nenhuma, é muito fantasioso.”

 

Uma conciliação prévia, analisando as propagandas e decidindo se elas poderiam entrar ou não, de acordo com os advogados dos dois lados. Deu supercerto. Depois que decidimos por essa conciliação, a gente entrou com uma ação e eles com uma. Todo mundo topou, a ministra adorou. O TSE ficou supersatisfeito e eliminamos um trabalho em vão. E eu sempre tive um bom diálogo com os advogados do PT.”

Balanço Bolsonaro
“O saldo é positivo. Eu já atuava no TSE, mas dessa vez tive uma atuação mais expressiva. Saí das questões de prefeitos de interior e fui pra ‘questões de uma campanha presidencial’. Foi um upgrade. E, ainda, ele foi eleito. Então foi uma campanha presidencial e vitoriosa. Além de que pude ver que estava um pouquinho errada. Não vejo ele com o temor de antes. Acho que é uma pessoa que precisa talvez ter uma visão diferente de alguns conceitos em relação ao feminismo, mas… Às vezes ele fala uma coisa que não é exatamente o que ele pensa. Aí usam uma fala mal colocada e destacam essa frase. Estar dentro me permite não ficar desesperada com o novo presidente. Se eu estivesse fora, provavelmente estaria. Profissionalmente, foi um ganho enorme. E minha família toda apoiou. Até minhas cunhadas, que são fãs. E acho que a gente sempre tem que fazer essa conta: quem te apoia e quem te acusa?”

 

Compromisso com as mulheres
“Olha, eu levei a Erica [Paes, campeã mundial de jiu-jitsu e especialista em segurança feminina, participou da campanha do presidente eleito] para a campanha, no segundo turno. Falavam que precisavam de mais mulheres no time. A pauta da Erica é o enfrentamento às violências contra as mulheres, e essa é uma pauta que com certeza o presidente endossa.”

Com certeza endossa? 
“Endossa sim, ele assinou um termo de compromisso com ela [nota da redação: Érica não entrou para o governo]. Ele é contra a violência, e contra a violência contra a mulher, ainda mais. E as outras coisas [que ele disse], são coisas que a gente consegue ajustar. É como a conversa que tive com Eduardo. Depois da campanha, fui conhecer meu cliente, e falei em tom de provocação que sou feminista. Isso foi um pouco depois de uma declaração que ele fez num carro de som, falando que as mulheres que se depilam são cheirosas, uma coisa assim. Prazer! Inclusive, sou feminista, mas eu depilo a axila. Ele ficou interessado e quis saber mais. Expliquei que o feminismo lutava por uma sociedade mais igualitária para todo mundo. Ele disse: ‘se for isso, eu também sou, só não concordo com aquelas mulheres que ficam enfrentando…’. Ele falou que é a favor do que é o meu feminismo. Por isso que acho que é uma coisa que dá para construir. E às vezes penso: eu poderia simplesmente não ter entrado, nunca ter tido esse tipo de conversa… mas estou ali, e posso mudar muita coisa.”

As desavenças no movimento
“Já fiz parte da Rede Feminista de Juristas, mas saí do grupo depois de uma discussão que tivemos no WhatsApp. A discussão era sobre ter ou não empregada doméstica. Eu falei que para a mulher se empoderar, é importante que ela tenha uma auxiliar doméstica, desde que, claro, se pague como qualquer outro emprego. Sofri duras críticas. Cheguei a chorar. Foi por isso que saí da Rede, achei agressivo o posicionamento que tiveram comigo. Começaram a me chamar de mulher branca como xingamento. Minha babá é mais branca do que eu. Não a contratei porque ela é branca ou negra.”

Uma mulher que aborta deve ser presa?
“Presa, não. E também penso que proibir o aborto não vai impedir que as mulheres abortem. Mas será que a gente não deveria trabalhar em políticas públicas de prevenção? Acredito que esse é o papel do Estado, intervir na prevenção.”

Rosa e azul
“Foi uma colocação infeliz da ministra. Quando minha mãe estava grávida não havia ultrassom e eu só usei azul e nem por isso fui afetada. Deu tudo certo. Conversei com colegas e sei que ela está fazendo um bom trabalho, mas essa declaração foi infeliz.”

Presidente em Davos
“Assisti ao discurso [do presidente Jair Bolsonaro] e achei que ele foi pontual. Não adianta fazer um discurso longo e não dizer nada. Ele falou o que pode cumprir. Vi o discurso de forma positiva. Sobre ele ter cancelado a entrevista coletiva, o acompanhei durante a campanha e sei que tem de cancelar compromissos por questão de saúde.”

 

Flavio Bolsonaro
“Não sei nada sobre esse caso além do que está na imprensa. Até por uma questão de ética, nunca perguntei nada a respeito para o Eduardo. Não posso comentar.”

 

FONTE: MARIE CLAIRE